
O bebê de origem haitiana nasceu na véspera do Dia da Intendência do Brasil, no Hospital Bom Jesus, em Toledo. Foi o primeiro a receber o gesto de cuidado e amor de uma ação solidária que marcou a comemoração do Dia de Cooperar de 2025. Ao abrir os olhos para o mundo, ele encontrou no berço mais do que roupinhas e produtos de higiene: encontrou o símbolo de um pacto coletivo que, há décadas, move o Paraná — o cooperativismo.
No corredor iluminado da maternidade, o choro de Oliver não foi apenas o anúncio de uma nova vida. Foi também o som da esperança de uma mãe haitiana que encontrou, no Paraná, o que faltava em sua terra natal: segurança, oportunidades e acolhimento. Ao lado de Júlia, sua mãe, o recém-nascido recebeu mais do que um kit preparado com cuidado. Recebeu a mensagem de que, mesmo longe de casa, o futuro pode ser tecido com dignidade.
A nova mamãe ficou emocionada com o carinho e agradeceu em português pelo cuidado recebido: “Obrigada por lembrar de nós. Eu sinto que meu filho já nasceu sendo amado.”
Esse gesto simples, mas carregado de simbolismo, nasceu das mãos do Comitê da Mulher e do Comitê Jovem da Primato Cooperativa Agroindustrial, em parceria com a Embaixada Solidária, durante o Dia C – Dia de Cooperar. O que poderia parecer uma ação pontual se transforma em fio condutor de uma narrativa maior: como o cooperativismo, no Paraná, se converteu em ponte entre economia robusta e solidariedade transformadora.

Cooperativismo que atravessa fronteiras
“Para quem não tem nada, o pouco que oferecemos significa muito.” A frase de Ládia Kliemann, coordenadora do Comitê da Mulher da Primato, carrega em si a síntese da ação. Ela fala a partir de uma vivência pessoal: viu de perto mães sem recursos sequer para uma fralda, enquanto acompanhava seu filho prematuro em um hospital. É essa memória que faz dela ponte entre experiência individual e causa coletiva.
Esse é o poder do cooperativismo cor de rosa: a capacidade de mulheres organizadas em comitês cooperativistas transformarem lembranças pessoais em políticas de cuidado coletivo. O kit de Oliver é só um exemplo. A cada entrega, a cada pijama aquecendo mães em vulnerabilidade, há uma semente plantada — e um recado claro: solidariedade também é desenvolvimento.
Afinal, embora mova cifras bilionárias e sustente parte decisiva da economia paranaense, a linguagem do cooperativismo nunca foi essencialmente econômica. Seu vocabulário original é o da confiança, do apoio mútuo e da construção coletiva de dignidade. Isso vai da economia à maternidade e Oliver não será o único a nascer melhor por causa da solidariedade.

Da rodoviária ao projeto Evena: o nascimento da Embaixada Solidária
A história de Júlia, mãe de Oliver, conecta-se à trajetória da Embaixada Solidária, organização que se tornou referência no acolhimento de migrantes. Fundada há 11 anos, a entidade nasceu de um encontro na rodoviária de Cascavel, quando sua idealizadora conheceu Júlia — então uma jovem haitiana que trançava cabelos para sustentar os três filhos. Apesar da própria vulnerabilidade, Júlia abrigava outras mulheres migrantes em sua casa.
Esse gesto de generosidade foi um divisor de águas: a partir dele nasceu a Embaixada Solidária, hoje presente em toda a região Oeste do Paraná, atendendo migrantes de 43 países e todos os estados brasileiros. Só nos últimos cinco anos, a entidade garantiu mais de 5 mil empregos, 68% deles para mulheres.
O primeiro grande evento da Embaixada foi simbólico: um chá de bebê coletivo com mães de 12 nacionalidades, onde 40 enxovais foram distribuídos. Esse foi o embrião do Projeto Evena – Mães pelo Mundo, que consolidou a maternidade como pilar de dignidade. Hoje, já são quase 50 países representados nas ações, com mães e crianças encontrando no Paraná o recomeço que lhes foi negado em outras terras.

O motor econômico que também acolhe
A história de Oliver só é possível porque está sustentada em um dos sistemas cooperativos mais robustos do planeta. O Paraná concentra 227 cooperativas ativas, com 4 milhões de cooperados e 146 mil empregos diretos. Em 2023, o setor registrou faturamento de R$ 202 bilhões, crescimento de 8,5% em relação a 2022, e distribuiu R$ 10,8 bilhões em sobras líquidas aos seus associados. Até 2030, a meta é atingir R$ 500 bilhões em faturamento.
Esses números não são abstrações. Eles se traduzem em impacto direto: o cooperativismo responde por 60% da produção agropecuária paranaense, movimenta 65% dos grãos e 45% das carnes e laticínios do Estado. Somente em 2024, investiu mais de R$ 6,5 bilhões em expansão e modernização, ao mesmo tempo em que promoveu 15 mil eventos de capacitação, alcançando quase 400 mil pessoas.
Na Região Oeste, a força é ainda mais evidente: 62 cooperativas agroindustriais sustentam 145 mil empregos formais. Em setores estratégicos, até 30% da mão de obra é migrante. E, em um cenário com 22 mil vagas abertas, são os migrantes e refugiados que muitas vezes asseguram a continuidade da produção e o crescimento das cooperativas. A contribuição dos migrantes é essencial para o presente e o futuro das cooperativas. Em retorno, o cooperativismo é fundamental para a dignidade desses novos moradores. É uma via de mão dupla: o Paraná cresce, e com ele crescem também os sonhos de quem chegou de longe.

BALIZADORES SOCIAIS DO COOPERATIVISMO
As cooperativas do Paraná projetam faturar R$ 300 bilhões até 2027 e R$ 500 bilhões até 2030. São números expressivos, que demonstram a grandiosidade de um setor que já responde por uma fatia decisiva da economia estadual e nacional. Mas o verdadeiro impacto do cooperativismo vai além das cifras. Ele se revela nos sorrisos que se abrem, nos lares reconstruídos, nos sinais discretos de uma vida melhor. A cada produto do trabalho que chega à mesa, a cada bebê que inicia a vida com mais segurança, confirma-se que o cooperativismo é uma força que move a economia, mas que, acima de tudo, alimenta a dignidade.
OS DESAFIOS QUE A MIGRAÇÃO ENFRENTA
Apesar dos avanços, os desafios permanecem. Migrantes e refugiados ainda enfrentam barreiras linguísticas, dificuldades de reconhecimento de diplomas e, muitas vezes, o preconceito silencioso que dificulta a inserção plena. Cooperativas oferecem oportunidades, mas nem sempre conseguem absorver toda a demanda: faltam qualificação técnica em alguns setores e políticas públicas integradas que ampliem essa rede de apoio.
Segundo o ACNUR, o Brasil abriga atualmente mais de 650 mil pessoas em situação de refúgio ou migração forçada. O Paraná, porta de entrada pelo Oeste, concentra milhares delas. O cooperativismo surge como alternativa concreta, mas não é solução isolada: precisa caminhar lado a lado com educação, políticas de inclusão e combate às desigualdades.

O “cooperativismo cor de rosa”, simbolizado pela sensibilidade dos comitês femininos e jovens da Primato, resgata uma verdade fundadora: desde suas origens, o cooperativismo nasceu da solidariedade entre pessoas que decidiram enfrentar juntas as dificuldades para construir uma vida melhor.
Hoje, essa mesma solidariedade atravessa fronteiras e chega ao Oeste do Paraná, onde mulheres migrantes encontram não apenas trabalho, mas acolhimento, e onde crianças como Oliver recebem no berço a mensagem de que pertencem a uma comunidade que não deixa ninguém para trás.
O conforto do bebê haitiano em Toledo, a coragem de uma mãe que recomeça longe de casa e a memória de uma cooperativista que conhece a dor e transforma em cuidado revelam que o cooperativismo não se mede apenas por cifras — embora mova bilhões — mas pelo invisível: os lares reconstruídos, a dignidade restaurada, a esperança que renasce.